Na Umbanda, os mitos que narram a origem de Exu são os mesmos do Candomblé, que por sua vez são provenientes da África.
No entanto, a literatura umbandista quase nada se refere a essa origem africana, apesar de cada Orixá ter à sua esquerda um Exu à sua disposição, como diz Matta e Silva: o Exu Marabô, por exemplo, corresponde à Vibração de Oxóssi e é o elemento de serventia e ligação com o Caboclo Arranca-Toco.
Mas na Umbanda, os Orixás repassam seus atributos às entidades, não se apresentando pois, pessoalmente no terreiro, como ocorre no Candomblé. A ênfase recai, portanto, neste culto religioso, nas relações entre nas entidades espirituais da direita (espíritos de luz) e as da esquerda (espíritos sombrios) que são incorporadas, o que provavelmente possa justificar o distanciamento da história da origem do Exu africano. Exu irá aparecer como o “Povo da Rua”, nome genérico atribuído aos Exus e Pombagiras.A imagem de Exu mais veiculada na Umbanda, está vinculada à rebeldia do Anjo Belo, possuidor de grande força e poder, e ministro do Criador, até o momento em que cobiçando o lugar do próprio Jesus Cristo (pois não admitia sua primazia no Reino de Deus), resolveu se revoltar contra o Criador. Vencido, foi expulso por Deus que mudou o nome de Anjo Belo para Exu. Considerado a partir de então como o “Satanás (adversário do Pai), foi condenado a viver na região hoje conhecida no antigo Ceylão (região oposta ao Éden ou Paraíso Terrestre).Existe uma outra lenda da origem de Exu que retoma em parte o mito africano acabando por sincretizá-lo com o mito cosmogônico cristão. Conta, então, Dalva de Oxum, que Exu é filho primogenito de Iemanjá com Oxalá, criado com muito mimo e predileção, razão pela qual se tornou logo desobediente e impertinente. Apesar de todos os esforços para se tornar um Orixá dedicado ao bem, Exu começou a andar com más companhias (Elegbará). Acabou sendo expulso pelo Anjo Miguel, sendo condenado a viver nas trevas e a praticar o mal, satisfazendo seu desejo de ser governador, o que ele tanto queria, mas governando o inferno.Nos mitos de origem de Exu na África, apesar de todas as suas façanhas um tanto maldosas, ele mantém um lugar de destaque extremamente positivo e de respeito. Nesses mitos ele é convocado a estabelecer sua morada fora dos domínios da casa, por mando de Orunmilá, seu pai, que como forma de repreender Exu por suas confusões determina que “doravante vais viver fora e não dentro de casa”. E assim tem sido desde então. Exu “vive a céu aberto, nas passagens, ou na trilha, ou nos campos.” Mas apesar da expulsão, Exu é concebido como salvador, como no mito em que um homem doente é socorrido por Exu: disse Exu ao enfermo: “levanta-te e segue adiante de mim, que vou te escorando por detrás, até chegar aos pés de que possa te salvar nesta emergência”. E assim Exu o ajudou chegar até Orunmilá que o curou.Ainda como salvador, Exu aparece colocando Orunmilá em perigo e depois o salvando. Comparece também como amigo desse Orixá quando o ajuda a ganhar o cargo de advinho. Mas o que mais chama atenção é sua relação de amizade com Orunmilá: “Aí Orunmilá entrou na sala dizendo: Exu, tu és sim meu verdadeiro amigo!. Depois disso nunca houve amigos tão íntimos, tão íntimos como Exu e Orunmilá.” Aqui a natureza de Exu é perfeitamente integrada à natureza de Orunmilá, ou seja, a harmonia entre os dois mundos, Aye - a existência no mundo material - e Orum - o nível sobrenatural mas que também engloba o Ayê -, é reconstituída com a ajuda de Exu. O restabelecimento da ordem pressupõe a ação de duas forças contrárias, seja mal e bem, céu e terra, racionalidade e paixão. Pai e filho se entendem, se revezam, se põem a colaborar um com o outro.No entanto, na Umbanda, Exu perde esta conotação. Ele não é mais o melhor amigo do seu próprio pai. Exu, como todo “Povo da Rua” é órfão, em sentido simbólico. E ninguém melhor do que Exu Zé Pilintra para exemplificar essa orfandade exposta na sociedade brasileira. Paternidade aqui compreendida num sentido mais amplo que vai além da representividade social, também no sentido do pai psíquico, arquetípico, que antecede à existência dos pais reais, e que assim dá origem ao poder paterno.Como todo arquétipo, o do pai é portador de imagem ambígua. Ele é capaz de causar efeitos diametralmente opostos.
Diz Jung que:O poder fatídico do complexo do pai vem do arquétipo e esta é a verdadeira razão por que o consensus gentium coloca uma figura divina ou demoníaca no lugar do pai. A pessoa do pai encarna inevitavelmente o arquétipo que empresta a esta imagem o poder fascinante.No caso brasileiro, como diz Gambini, nossa paternidade é um caso bem grave e complexo. As índias como as negras eram somente um corpo disponível para o prazer, para o trabalho doméstico ou escravo, ou como agente reprodutivo. O feminino na cultura que se iniciava tinha uma função biológica e de objeto de desejo, o que tem seus traços bem presentes até os dias de hoje. O pai, o europeu, veio para a terra tropical trazendo apenas seu falo e um animus exaltado, carregado de seus aspectos mais destrutivos. Sua anima ele deixou na Europa, sendo queimada nas fogueiras. O falo sozinho “vira um perigo porque fica unilateral. Faltam-lhe os atributos que vêm do feminino”, como por exemplo, Eros que transmite a compaixão, a afabilidade, a espera, a amabilidade, a persistência, a vinculação pessoal e grupal, a relação com a natureza e com o sagrado.Se um dos aspectos do arquétipo diz respeito ao pai acolhedor que protege seus filhos contra as ameaças do mundo exterior, parece claro perceber que no caso brasileiro o pai foi a própria ameaça, tanto literal como psiquicamente. É oportuno lembrar que foram deixados aqui para povoar e demarcar o território milhares de homens que além de virem sozinhos, pois não traziam suas mulheres e filhos, eram aqueles considerados marginais do sistema, pobres, bandidos, assassinos. Suas histórias pessoais eram atravessadas pelo rompimento com a cultura de onde vinham, com suas tradições, normas, sistema religioso. Já vieram para cá com uma história mal resolvida com o pai europeu, e chegando aqui ficaram ao relento.O “Povo da Rua” aglomera todos estes filhos abandonados da história do Brasil, sejam eles os degradados portugueses que foram deixados aqui sejam o povo indígena e negro que tinham pais ancestrais, mas que foram objeto de destruição. Eles desfilam através das imagens dos marinheiros, boiadeiros, baianos, prostitutas, suicidas, negros, malandros. A consciência coletiva devorada pelo senex se torna o próprio senex, como já foi visto, no sentido de se manter agarrado no seu extremo oposto. Exu se coloca exatamente neste lugar. Ele é desordeiro, desbocado, beberrão, não mede as conseqüências dos seus atos, não se preocupa com procedimentos morais, é fálico, debochado e irreverente. Pode-se então compreender Exu como um puer. Juana Elbein irá dizer que Exu está ligado diretamente ao símbolo de descendente, “com sua função de assegurar a existência da categoria descendente que ele representa. Esú não assume jamais o símbolo de procriador. (...). Ele é o resultado, o descendente, o filho.” Diz a autora que Exu é o símbolo por excelência do primogênito, o elemento engendrado, a primeira forma dotada de existência individual. No presente contexto, Exu, como puer, como filho, não encontrando o senex doador de vida, é expulso de casa, como nos mitos que contam sua origem, passando a habitar o mundo da rua. O mito conta, portanto, a cisão do arquétipo entre o puer e o senex.
A definição de Quimbanda dada por Rivas Neto faz sentido dentro do contexto do presente trabalho. Diz o autor que a Quimbanda representa o oposto da Lei, fazendo oposição à Umbanda, que ele define como Conjunto das Leis Divinas. A dualidade, presente nestes conceitos, revela a ambigüidade psíquica, mítica, presentes na história humana, reflete a tensão entre os opostos: de um lado um valor novo, transformador, revolucionário, inovador, do outro, a plausibilidade, o estável, o seguro, a norma, a lei. É muito fácil encontrar Exu no cotidiano, bem no seio das boas famílias cristãs. Há sempre, em todo grupo, um que é predestinado a servir de bode expiatório. É aquela criança que destoa dos outros irmãos, seja porque não é considerada inteligente, não vai bem nos estudos, é usuária de drogas, anda em más companhias, vive causando confusões e tumultuando a tranqüilidade do lar, incita nos outros sentimentos de raiva e agressão. Enfim, ela é o oposto da norma, do que é sensato, condizente. Ela é a ovelha negra, o desviado, o diferente, o causador das amarguras da família. O bode expiatório está presente em todo os grupos, seja no ambiente de trabalho, dentro de uma sala de aula, numa cultura.
Exu, como puer, como todo filho destituído de paternidade, na sua inalcançável busca pelo espírito do pai é uma constante mítica. Diz Rivas Neto que não se pode esquecer que os Exus estão “debaixo de uma condição disciplinar” e quando dela se libertarem serão Guardiões Superiores, mas nunca sendo Caboclo, Preto Velho ou Criança. Como mito estruturador da consciência humana, do primordial e eterno conflito da existência - entre o novo (puer) e o velho (senex), Exu nunca poderia realmente se tornar um Preto-Velho. A psique é formada a partir de forças antagônicas, duais, bem expressas na oposição Umbanda/Quimbanda, Exu/Preto-Velho.
Mas há sempre uma tentativa de se abolir o mal, o inferior, de uma religião, da sua presença numa família, ou de outros grupos. A religião cristã, mandará o demoníaco para o inferno, expulsando-o da consciência. A família enviará o filho para o psicólogo (o problema é do filho), na pretensão de adaptá-lo. Numa sala de aula ou num ambiente de trabalho, poderá haver mecanismos, por quem centra o poder de liderança, para manipular as demais consciências contra aquele que desestabiliza a ordem.
Existe, pois, uma tendência psíquica, de reencontrar o paraíso, o lugar do não-dualismo, do não-desejo, um lugar onde não se tem medo, insegurança, dúvida. Mas Exu tem a finalidade arquetípica de rememorar a entrada do ser humano na história, uma história que só foi possível porque havia uma força antagônica, rebelde, provocadora de mudanças que impulsionou a humanidade a sair deste estado paradisíaco.
http://www.rubedo.psc.br/artigosb/exusonia.htm
sexta-feira, 19 de março de 2010
EXU - A HISTÓRIA DE UM FILHO ABANDONADO
Postado por Tukka Bianchi às 13:57
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